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Funk e a estética mandrake: entenda como movimento influencia na cultura do interior paulista

O maior editorial de moda periférica A influência ultrapassa a música, aparece nas roupas, na forma de falar, no comportamento e até na maneira como cada ba...

Funk e a estética mandrake: entenda como movimento influencia na cultura do interior paulista
Funk e a estética mandrake: entenda como movimento influencia na cultura do interior paulista (Foto: Reprodução)

O maior editorial de moda periférica A influência ultrapassa a música, aparece nas roupas, na forma de falar, no comportamento e até na maneira como cada bairro se representa. O que antes se via apenas nos bailes de favela, o funk e a estética mandrake hoje circulam por escolas, universidades, festas e redes sociais. A estética se tornou símbolo de identidade, pertencimento e resistência. Chamada de estética "mandrake", o estilo mistura elementos de moda de rua, esportiva e de ostentação, combinação amplamente vista nas periferias do Brasil. Para celebrar essa cultura que também molda e acolhe o público das periferias de Sorocaba (SP), o g1 conversou com quem faz o ‘ombrinho mexer’, ou melhor, mexer a cidade toda. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp Da quebrada ao interior: quando a roupa vira território Nos bairros e vielas de Sorocaba, a moda funkeira não nasce de tendências impostas, mas de vivências locais. Muitas vezes, vestir 'a estética da quebrada' é reafirmar a própria origem. Ensaio Moda Periférica Reprodução Mile.lab DJ Shayy, um dos principais nomes femininos da cena sorocabana, cresceu rodeada por essa estética e diz que sua relação com a moda é antes de tudo afetiva. “A estética de quebrada vende muito. A gente vê isso nas redes sociais, na forma que os gringos nos enxergam nas novelas, nas revistas, em todos os lugares. A estética de quebrada vende muito, mas não é só uma estética, isso é uma vivência. É algo que eu cresci vendo, consumindo, e que faz parte da minha história”, conta. Ela também destaca o valor simbólico das peças produzidas no próprio bairro. “Eu tento misturar essa minha essência mais cativante, mais humilde e fofa, sem deixar de lado o visual que eu cresci rodeada na minha quebrada do Vitória Régia. No final das contas, o valor real de uma Ed Hardy é bem menor do que o valor de uma peita da adega do parceiro ali da esquina. Cada um tem seu peso de realidade. E pra mim, uma peita da adega que eu vi meu amigo montar vale muito mais”. Ensaio Dj Shayy Divulgação A artista também observa como os jovens do interior absorvem influências que vêm da capital e de outras regiões. Essa mistura cria uma estética própria, que combina relíquias, marcas icônicas e elementos que circulam especialmente entre as periferias. “Conforme o pessoal mais novo vai consumindo o funk da capital e região, seja indo até um rolê lá ou vendo influenciadores, eles vão evoluindo a forma de se expressar. E isso aparece nos kits, com peças relíquias, com marcas mais tops, uma lupa da Oakley, uma Cyclone, Quiksilver, Planet, Kenner… É a forma que eles encontram de mostrar que fazem parte dessa cultura também”, explica a Dj. Funk como identidade e comportamento Para além da moda, o funk influencia forma de falar, andar e se posicionar. A música dita códigos que atravessam a comunidade e chegam ao interior. O DJ Will BR, figura conhecida em festas da região, observa como a estética dessa cultura e o comportamento viajam entre periferia e cidades médias. “O funk é formador de cultura. O que nasce na comunidade vira moda no interior, e depois vira tendência nacional. A estética, a gíria, o jeito de andar... tudo começa nos bailes. O funk dita comportamento, inspira atitude e cria identidade. No interior, a galera abraça tudo com força e adapta ao estilo deles, mas a essência continua sendo da quebrada”, explica. Apresentação Dj Will BR Divulgação A moda, segundo a professora do curso de moda na Universidade de Sorocaba (Uniso) Aymê Okasaki, é uma poderosa ferramenta de expressão e pertencimento, especialmente no caso da estética funkeira, que ganha força nas periferias e no interior paulista. A especialista em cultura afro-brasileira observa que, ao contrário do que muitos pensam, a estética do funk não é uma invenção recente ou um fenômeno passageiro, mas sim uma linguagem profunda e autêntica, ligada às origens e vivências dos jovens. “Moda é linguagem e sempre comunicou individualidade e comunidade. A cultura do funk sempre foi alternativa, mesmo que muitos não reconhecessem hoje, a estética mandrake se tornou a estética do Brasil. O que era código de periferia virou referência global”, explica Aymê. Ela também enfatiza a importância de dar crédito à origem dessa estética, que surge das vivências das comunidades periféricas, e alerta sobre o perigo da apropriação sem contexto, algo que muitas marcas de fora do Brasil fazem. “É preciso valorizar não só os objetos, mas as pessoas que estão vestindo e produzindo. Muitas vezes são eles os criadores. O perigo é quando marcas de fora copiam a estética sem contexto, ganhando muito em cima de algo que é próprio da periferia” completa. Ensaio Moda Periférica Divulgação Mile.lab Maria Eduarda Silva, aluna de moda da Universidade e autora de um TCC sobre a influência do funk e do hip-hop na moda de rua, destaca a relação pessoal e histórica que as pessoas têm com essa estética, observando como o funk e a moda caminham juntos na construção de uma identidade coletiva. Para ela, o pertencimento a uma cultura é frequentemente expresso através da roupa, um fator que a conecta diretamente às vivências de sua infância e adolescência. “Quando entrei na escola, percebi que, se vestisse como as meninas planetárias, teria mais destaque, faria parte do grupo. Essa estética é muito forte no meu bairro e na minha vida. Desde os anos 80, o funk e a moda passaram a se mesclar, e eu percebi que, ao longo dos anos, meu irmão, por exemplo, tem os mesmos desejos de consumo que eu tinha na adolescência. Ele também quer Oakley, Kenner, a mesma estética que me marcou, mas que vem das periferias e das nossas raízes”, conta a aluna. O funk e o direito de vestir de 'si mesmo' A criadora da Mile Lab, um Laboratório de Criação e Pesquisa de Cultura Marginal, Milena Nascimento, conta como os seus projetos com influência do funk, representam a sociedade e o direito de ser autentico. "As roupas da Mile Lab são também territórios políticos, onde quem usa permite se vestir de si mesmo, da sua história e comunidade. As roupas são potenciais instrumentos de preservação de nossas memórias, suas tramas armazenam momentos importantes da nossa vida enquanto sujeito ao mesmo tempo em que define momentos que constroem a história da nossa cultura enquanto coletivo", explica. Ensaio Moda Periférica Divulgação Mile.lab A criadora da marca de moda de rua, se posiciona em relação ao espaço de retomada e reapropriação da criatividade de quebrada. "A importância do nosso modo de fazer, das nossas manualidades e artes tecidas, está em contribuir para que essas histórias não sejam esquecidas, ou apagadas sistematicamente pelos algozes. mas que sejam preservadas, legitimadas e perpetuadas no tempo. Valorizando quem somos, nosso povo, e o nosso lugar no mundo", conta. "A importância de se expressar através das roupas, está em compreender que o que vestimos nos apresenta ao mundo muito antes de termos a oportunidade de dizer nosso nome. Nas ruas, nos encontros, no trabalho, o que vestimos chega antes de nós", completa. DJ VBarros, referência na cena sorocabana, explica que a estética funkeira deixou de ser algo restrito à comunidade e passou a moldar comportamentos também no interior. Para ele, o funk se tornou linguagem cultural. “Na comunidade, o funk é raiz: dita moda, comportamento, gírias e até postura. E no interior o funk já virou lifestyle também. A galera se veste inspirada no movimento, curte a estética, absorve as gírias e vive a vibe. O funk saiu da comunidade e se espalhou. Virou referência cultural pra muita gente”, conta. Dj Vbarros se apresentando Divulgação Ele também afirma que o impacto do gênero vai além da estética visual, influenciando autoestima e perspectivas de futuro. “A gente vê a galera mais jovem se inspirando não pelo financeiro, mas pela oportunidade de mudança de vida. O funk permite que você se sinta confortável pra se expressar, pra sonhar, pra melhorar sua vida e da sua família”, completa. DJ Ery, o famoso 'Caveirão', é um dos artistas mais populares pelo público universitário, e já realizou uma apresentação dentro da Uniso. o Artista, reforça que a periferia dita tendências que, depois, chegam ao interior e ao país inteiro. “O funk molda tudo. Os moleque da quebrada lança tendência todo dia: jeito de se vestir, de falar, de dançar. As marcas e o público tão só copiando o que a favela já tá fazendo faz tempo. O povo do interior se identifica porque o bagulho é real. As roupas, as danças, os cortes de cabelo, tudo nasce na favela e segue influenciando o mundo”, relata o artista. Apresentação do Dj Ery na Universidade de Sorocaba Divulgação O som do interior: Bruxaria, grave e estilo próprio Além da estética visual, a sonoridade do interior paulista também criou identidade própria. Em Sorocaba, subgêneros como bruxaria, bolha, automotivo e ritmada dominam festas e casas de show. DJ Shayy explica que há diferença clara entre o funk paulista e o carioca no campo musical. “O funk paulista hoje tem batidas muito mais eletrônicas. Subvertentes como bruxaria e bolha vêm ganhando muito espaço. Já o funk carioca ficou mais naquela coisa raiz, do tamborzão, da Furacão 2000. Aqui em Sorocaba, o que cresce é esse lado mais eletrônico, mais grave, mais pesado”, conta Shayy. Para o DJ GP da ZL, que se apresentou recentemente na cidade, o caráter híbrido define o funk de São Paulo. “O funk de Sorocaba está muito próximo de coisas de fora do Brasil e também da capital. Ele traz o mesmo ritmo que tá em BH e em outros estados, mas traz muita síntese, muito app, muito plugin, muita mixagem. Esse é o diferencial do funk paulista”, explica. Dj GP da ZL se apresentando Divulgação Ery detalha ainda mais a pluralidade da cena, explicando como surgem, se misturam e se transformam as vertentes do interior. “É difícil definir o funk de SP porque ele muda todo dia. Surgiu algo viral? Já muda tudo. Tem beat agressivo, ritmado, bruxaria, submundo, beat automotivo… Cada região tem seu estilo, mas tudo se mistura. Eu mesmo curto misturar techno, prog, samples com sonoridade bem dark pra ficar um som sinistro. O funk paulista é isso: transformação”, conta Dj Ery. Uma estética que continua em movimento A cada baile, a cada apresentação e a cada foto nas redes sociais, a estética do funk reafirma sua relevância e cresce, influenciando não apenas as periferias, mas também as classes mais altas e até o cenário global. Hoje, o que era marginalizado se tornou patrimônio cultural, moldando a forma como os jovens do interior paulista se expressam e se conectam com suas raízes e suas realidades. Para a professora Aymê Okasaki, essa evolução é fundamental para entender a importância da estética funkeira. “A cultura do funk, a estética mandrake, sempre foi muito marginalizada, mas, nos últimos anos, se tornou a estética do Brasil. Agora, o mais importante é que estamos aprendendo a valorizar a cultura que vem da periferia, reconhecendo que ela é legítima e essencial para a nossa identidade”, afirma. *Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM

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