Machos da espécie bigodinho chegam antes das fêmeas para reprodução no sudeste do Brasil, aponta estudo
Comportamento permite a conquista de territórios de melhor qualidade para temporada de reprodução. Macho da espécie bigodinho Leonardo Esteves Lopes Pesquis...
Comportamento permite a conquista de territórios de melhor qualidade para temporada de reprodução. Macho da espécie bigodinho Leonardo Esteves Lopes Pesquisadores identificaram que os machos do bigodinho (Sporophila lineola), uma ave migratória tropical, chegam antes das fêmeas às áreas de reprodução no sudeste do Brasil. Esse fenômeno, conhecido como protandria, é comum entre espécies em que os machos disputam territórios e parceiros reprodutivos. O estudo, conduzido na Universidade Federal de Viçosa (UFV), acompanhou diariamente a chegada de 129 aves durante a temporada reprodutiva de 2019 a 2020. Além disso, os cientistas observaram que machos mais velhos e maiores chegaram mais cedo do que os jovens e menores. Fêmea da espécie bigodinho Leonardo Esteves Lopes De acordo com os pesquisadores, a chegada precoce dos machos permite a conquista de territórios de melhor qualidade, podendo oferecer vantagens reprodutivas importantes. Eles também podem ter mais tempo para realizar novas ninhadas caso os primeiros ninhos falhem. “O macho é o responsável por escolher e defender um território, e chegar mais cedo pode ajudá-los a monopolizar os melhores territórios. Isso aumenta a chance de serem os primeiros a serem escolhidos pelas fêmeas e começarem a se reproduzir antecipadamente”, comenta o ornitólogo Tarso Ciolete, autor principal do estudo. No entanto, a estratégia também envolve desafios. Entre eles, estão a baixa disponibilidade de alimentos devido à imaturidade das sementes, bem como a necessidade de defender territórios por um período mais longo e enfrentar maior competição com outros machos. A influência da experiência e do tamanho corporal O estudo mostrou que machos com asas maiores apresentaram maior eficiência de voo e chegaram antes às áreas de reprodução. Esse aspecto também sugere que a pressão evolutiva favorece indivíduos com morfologia adequada para enfrentar voos migratórios. Macho da espécie bigodinho Leonardo Esteves Lopes Outro dado importante da pesquisa é que machos mais velhos, facilmente reconhecíveis pelo padrão de plumagem preto e branco, chegam antes que os machos jovens, que possuem coloração marrom semelhante às fêmeas. Apesar de não haver diferenças significativas de tamanho entre jovens e adultos, a experiência migratória parece ser um fator determinante para a chegada antecipada. A idade dos machos pode influenciar várias estratégias importantes, e um dos principais fatores conhecidos na ecologia é o valor reprodutivo residual. Esse conceito considera o “perde-ganha” (trade off) entre a reprodução atual e as futuras. “Um macho jovem ainda tem muitas tentativas reprodutivas pela frente e, portanto, não é uma boa estratégia se desgastar muito ou se arriscar no início da vida. A cada ano que passa, um indivíduo tem menos tentativas reprodutivas pela frente e, portanto, cada tentativa pode ser a última. Portanto, investir mais agressivamente pode ser melhor”, pontua Tarso. Ninho de bigodinho Tarso Ciolete Uma hipótese alternativa considera que a sobrevivência é um desafio no mundo animal. Portanto, machos mais velhos já provaram seu valor sobrevivendo num mundo perigoso, ano após ano. Com isso, eles se tornam competidores difíceis de enfrentar, fazendo com que machos mais jovens evitem conflitos diretos, chegando mais tarde. Embora o estudo tenha revelado padrões claros de chegada diferenciada entre os sexos e faixas etárias, os cientistas destacam que ainda são necessárias mais pesquisas para entender se a chegada precoce impacta diretamente o sucesso reprodutivo dos machos. Bigodinho e a conservação A espécie Sporophila lineola é socialmente monogâmica e se reproduz no sudeste do Brasil entre dezembro e abril, migrando para o norte da América do Sul durante o período de maio a novembro. Os machos se destacam por serem territorialistas, defendendo frequentemente o mesmo espaço ao longo de várias temporadas reprodutivas. Macho da espécie bigodinho Leonardo Esteves Lopes “Já flagramos casos de ‘cópula extra-par’, que é quando uma fêmea acasala com um macho diferente daquele com o qual ela está pareada. Também presenciamos brigas por território intensas, onde, inesperadamente, um macho jovem conseguiu expulsar e tomar um território de um macho mais velho”, relembra o autor do artigo. A descoberta reforça a importância de projetos de monitoramento a longo prazo para desvendar os complexos padrões de comportamento e sobrevivência das aves migratórias tropicais. "Entender a dinâmica de chegada do bigodinho em seus territórios reprodutivos e seus impactos sobre a reprodução da espécie pode ser útil não apenas para a conservação da espécie, mas principalmente para fornecer insights sobre a conservação de outras espécies migratórias, muitas das quais ameaçadas", finaliza Tarso Ciolete. Vídeos: Destaques do Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre natureza no Terra da Gente