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Polícia Militar de SP quer oferecer cursos de ensino superior para civis na Academia do Barro Branco

Coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante-geral da Polícia Militar, afirmou em vídeo que assinou ofício para regularizar iniciativa. Especialistas em se...

Polícia Militar de SP quer oferecer cursos de ensino superior para civis na Academia do Barro Branco
Polícia Militar de SP quer oferecer cursos de ensino superior para civis na Academia do Barro Branco (Foto: Reprodução)

Coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante-geral da Polícia Militar, afirmou em vídeo que assinou ofício para regularizar iniciativa. Especialistas em segurança pública dizem que medida extrapola a função da polícia e veem com preocupação a expansão do ensino militar. Formatura na Academia de PM do Barro Branco Divulgação/APMBB A Polícia Militar de São Paulo quer criar uma instituição de ensino superior para civis e o projeto está na fase final de regularização. Entre os cursos que deverão ser oferecidos pela corporação estão gestão pública, engenharia e direito. A medida foi anunciada em um vídeo pelo comandante geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas, publicado nas redes sociais da corporação. Na postagem, o comandante elogia a Academia de Polícia Militar do Barro Branco, que é onde se formam os oficiais da PM, dizendo que é “uma instituição que conta com mais de 100 anos, tem um ensino muito forte e é reconhecida”. Segundo ele, “como tudo pode ser melhorado e aperfeiçoado, partiu da diretoria de ensino uma excelente iniciativa, que é fazer com que a Academia do Barro Branco também seja uma escola de nível superior para curso civil”. O coronel afirma que a PM já assinou um ofício direcionado ao Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo para poder regularizar a iniciativa e ter mais um serviço, que, segundo ele, é “mais uma conquista da área de ensino e instrução e cultura da polícia militar do estado de São Paulo”. O coronel não cita o MEC (Ministério da Educação), que é o órgão responsável por autorizar, regular e supervisionar a oferta de cursos de graduação no país. As instituições de ensino superior devem ser credenciadas ao órgão federal. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, em nota, “o projeto para a criação de um curso superior voltado para civis encontra-se em fase de planejamento”. Ainda de acordo com a SSP, “estão sendo realizados os trâmites documentais necessários para definir a estrutura curricular” e, por isso, “ainda não há disciplinas disponíveis”. Segundo fontes ouvidas pela GloboNews, o projeto foi apoiado pelo Secretário de Segurança, Guilherme Derrite, e pelo governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos). ‘Desvirtuamento de função’ Formatura dos aspirantes a oficiais da PM de SP na Academia do Barro Branco, em 2017 Divulgação/Governo de SP A medida, no entanto, é vista com preocupação por especialistas. A iniciativa é um “desvirtuamento das atribuições típicas de uma polícia ostensiva” para o professor Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas. “Funcionar como uma faculdade pública não constitui tarefa de uma academia de polícia, que é a de formar e treinar seus quadros, e estabelecer convênios com as academias civis para ampliar a formação dos policiais”, afirma. Essa era a intenção da ONG Sou da Paz ao sugerir alterações no texto da Lei Orgânica da PM, que entrou em vigor em dezembro de 2023. A lei prevê que “as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados manterão o seu sistema de ensino militar, podendo incluir os colégios militares de ensino fundamental e médio, e ter cursos de graduação ou pós-graduação lato sensu ou stricto sensu e, se atendidos os requisitos do Ministério da Educação, terão integração e plena equivalência com os demais cursos regulares de universidades públicas." Mas não diz que os cursos poderiam ser oferecidos para civis. A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz afirma que a organização propôs “ampliar a possibilidade dos PMs serem formados por professores e instituições civis, a possibilidade de fazer convênios e parcerias para que a formação dos policiais seja mais diversa e não ao contrário”, afirmou. “É claro que é importante que a sociedade possa conhecer a formação militar também, mas nunca uma formação acadêmica dada por uma instituição militar para civis. Ainda que não esteja vedado expressamente, na minha leitura, não extraio que a lei autorize esse tipo de formação”, disse à GloboNews. Leia também OAB critica criação de ouvidoria das polícias paralela escolhida por Derrite e deputada entra com representação Secretário da Segurança de SP nomeia delegada para 'Ouvidoria paralela' das polícias subordinada a ele Para ela, essa é uma “tentativa da Polícia Militar do Estado de São Paulo de ampliar a sua atuação para além do que ele tem, que é a de fazer a segurança pública e o policiamento ostensivo”. “A gente precisava, na verdade, fortalecer a universidade pública, o sistema de bolsas para que mais pessoas pudessem fazer as formações existentes, nas universidades existentes”, afirmou. Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV, faz coro. Para ele, a expertise da polícia é o ensino policial. “Não sei se faz sentido o gasto do dinheiro público com uma coisa que não é a sua função fundamental da polícia. A PM deveria aprender com as instituições de excelência acadêmica que nós temos, não acho que ela esteja em condições de ofertar esse tipo de formação”. Sapori ainda salienta que a decisão é “inconcebível diante do cenário de segurança pública de São Paulo”. “Em maio a casos graves de letalidade que estão se avolumando nos últimos meses, era de se esperar que tivesse um aprimoramento dos quadros policiais”. Em 2024, São Paulo teve a maior alta anual de letalidade policial em uma década. Foram 814 mortes, número 61,5% maior do que em 2023. A polícia de São Paulo, liderada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e seu secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, matou, em média, duas pessoas por dia. A avaliação do coronel da reserva da PM José Vicente, que é ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, vai na mesma linha. “O que se espera é que haja um constante aperfeiçoamento do sistema de treinamento, de habilitação, de desenvolvimento de competências do trabalho policial. Então essa ideia de inovação deveria estar dentro desse setor”, disse. “Há problemas na habilitação do cotidiano dos policiais que estão trabalhando nas ruas, eles não têm o esse treinamento adequado como deveria ser de ter pelo menos umas 60 horas por ano de reciclagem, isso não é feito”. “É importante lembrar que os recursos (humanos, instalações, equipamentos) destinam-se ao provimento das atividades de policiamento. Usar para as atividades de ensino mencionadas seria desvio de finalidade, sujeitas a questionamentos do Tribunal de Contas do Estado”, afirmou o coronel da reserva. Outra preocupação é com quem ministrará aulas em uma universidade militar, segundo o professor José Vicente Tavares dos Santos, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Hoje a Escola do Barro Branco, que forma os oficiais da corporação, "não tem um corpo permanente de professores com mestrado e doutorado e tem poucos professores civis, e o recrutamento interno nem sempre é por qualificação. É preciso que haja um corpo de professores que tenha critérios universitários e não corporativos", afirmou. Para José Vicente, a iniciativa poderia funcionar caso haja uma formação conveniada entre os militares e as instituições de ensino tradicionais como a USP. "É preciso se adequar aos parâmetros da educação brasileira, critério de avaliação, composição de corpo docente, submeter a isso tudo ao âmbito federal, ao MEC. A PM de SP tem cursos de pós-graduação que são apenas aprovados pelo Conselho Estadual de Educação", diz o professor. No vídeo publicado nas redes socias da PM, o comandante-geral diz que um ofício foi enviado para o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo pedindo aprovação da medida, e não para o MEC. Já o coronel Elias Miler, da Defenda PM, entidade de classe, afirma que a Lei Orgânica da PM não proíbe iniciativas do tipo e defende a medida. Ele também compara a iniciativa aos colégios militares e instituições como o ITA, da Força Aérea, e o IME, do Exército. “Será uma faculdade reconhecida pelo MEC. Isso é decorrente da Lei Orgânica da PM, que prevê o sistema de ensino militar, com possibilidade de cursos em todos os níveis, inclusive pós-graduação, e integrado com o sistema regular, inclusive com convênio com universidades públicas”, afirmou. Segundo Miler, “essa é uma inovação, será a primeira do Brasil e é boa para a sociedade. Vamos passar a ter formação aberta, não um ensino fechado na caserna. Vamos trazer a sociedade civil para não ser o que temos hoje de 'quem sabe de segurança sou eu [a PM]. Estamos indo além da letra da lei, não aquém", disse. Polícia Militar de Bauru, SP, oferece curso de direção preventiva

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